sábado, 31 de março de 2018

Vô Pedro

"A menina passou o domingo na companhia de seu avô. Ela gosta do jeito que ele fala. Um senhor machista e independente que derrepente virou quase um bebê. A menina sente que precisa passar mais tempo com ele. E é bom. E foi bom. Ele está com a visão comprometida. Anda com dificuldade. Fala lentamente, baixinho, sem a energia que tinha antes. E a menina sente necessidade de conversar mais com ele. Ele segura a mão da menina, e ela conta do sonho que tem de ir pra Cuba. Sentados no sofá, enrolados no cobertor na tentativa de se proteger do frio dessa cidade cinza opaco, ela, a menina lê para o seu avô bebê sobre o governo de Cuba, sobre os metódos de ensino. Ele, mesmo variando um pouco das idéias, lhe aconselha. Depois a menina mostra para o avô musicas cubanas, e eles dançam juntos com as mãos, pois o senhor velhinho bebê já não tem forças. Ele tira o relógio do bolso. A menina adora esse relógio. Ele conta que tem o registro nacional do relógio, que o comprou á uns dois anos. A menina sabe que seu avô ganhou o relógio do seu filho mais velho. Não questionou o que ele estava falando. Ele deve saber o que diz. Esse relógio. Passaram horas observando o relógio nas mão trêmulas do senhor. Ele não parava de falar, sim lentamente, mas não parava. A menina o olha com aquele olhar de ternura. Com aquele olhar de quem se despede de toda a sabedoria do avô dia após dia. Ele sabe que falta pouco tempo. E espera pacientemente. As vezes tenta se levantar de supetão e diz que vai dar uma volta por aí. Ainda bem que a menina está por perto, assim evita que ele se estatele no chão. Parece tão frágil. Tanto quanto ela. Há de ter paciência. e respeitar os momentos de seu avô. Ele se esforça. Mas hoje não quis se quer comer. Não quis acordar... a menina sabe que só tem nesse momento a companhia singela de seu avô. É tão doce. As vezes parece que ele dorme sentado, segurando a mão da menina e ela apesar de saber que tem que cuidar dele, sente-se segura pelo simples fato de sentir que ele está ao lado dela. É o suficiente para o tempo passar suavemente, sem respiração ofegante, sem problemas maiores, sem que seja o fim do mundo. A contagem regressiva e lenta a cerca do tempo de vida de cada um deles começou. A menina espera que amanhã seu avô acorde pra dançar com ela de mãos dadas."

Texto que publiquei no meu blog secreto em 04 de julho de 2010. Inverno em Curitiba. Domingo cinza.

A última vez que dançamos de mãos dadas, foi em dezembro de 2016, durante a gravação de um dos episódios de Pássaros Ruins.

Finalizou-se, em 27 de março de 2018 a contagem regressiva a cerca do tempo de vida do meu avô. No alto de seus 98 anos.

Meu avô Pedro nos deixou. E que difícil é a dor da partida. Ainda que eminente desde de há muito tempo.


A vida é muito louca. e a morte também





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